A empresa Mattel demorou "insignificantes" 57 anos para fazer a maior "descoberta" do século: as mulheres de todo o mundo são diferentes em formas, tamanhos e cores. Depois de décadas impondo um único padrão de beleza à sociedade, a boneca mais famosa do mundo agora possui a linha Fashionistas, com quatro tipos de corpos, sete tonalidades de pele, 22 cores de olhos e 24 estilos de cabelos.
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Linha Fashionistas: algumas das novas bonecas Barbie. Fonte: El País. |
Não se pode negar que o investimento pesado da Mattel é uma vitória da diversidade, entretanto este investimento se deve à pressão exercida por diversos movimentos que, aliados às novas formas de protagonismo e identidade juvenil, fizeram com que as vendas da boneca despencassem 20% entre 2012 e 2014, e continuaram com saldo negativo ano passado. A Mattel, uma das maiores fabricantes de brinquedos, viu-se obrigada a colocar a mão na massa na tentativa de resgatar consumidores, até porque uma Barbie não representa pouco para o capitalismo, para a publicidade e para a criação de valores em uma criança.
O mais interessante nessa história é que, após a constatação da queda nas vendas do produto, a vice-presidente da empresa Evelyn Mazzocco chegou a comentar sobre a importância e a responsabilidade de se colocar em pauta a reflexão sobre uma visão mais ampla da beleza, deixando clara a estratégia da Mattel: passar a imagem de uma empresa flexível, inovadora, apoiadora da diversidade e atualizada com o mundo globalizado. Por mais de meio século ela insistiu em um único modelo de boneca (alta, magra, loira e de olhos azuis, lançando uma ou outra diferente do padrão, mas com a mesma tipologia), e agora "do nada" se converteu em defensora do multiculturalismo, acreditando que o passado será prontamente esquecido.
Os executivos da Mattel comentaram acerca da importante mudança nos estilos Barbie afirmando o óbvio: não há só um padrão de como é um corpo bonito. E foram mais além: "temos que mostrar às meninas que, independentemente de sua aparência, tudo é possível". A Barbie sempre vendeu fortemente a ideia de que tudo está ao alcance das garotas que compram a boneca, tanto que numa versão atualizada, o lema é #VocêPodeSerTudoQueQuiser. Já discuti em outra publicação o peso que uma frase como esta pode exercer na formação das crianças. Crescer com esta mentira, de que realmente sempre conseguirão tudo o que desejarem, de que serão vencedoras por completo, de que não haverá espaço para angústias e de que o mundo é todo colorido chega a ser covardia. Já se sabe que é importante alimentar os sonhos de uma criança, mas não ignorar a realidade e os perrengues aos quais, mais cedo ou mais tarde, estarão sujeitas. Realidade implica experiências e conflitos.
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Fonte: Annablume |
Importante também é mencionar as condições dos trabalhadores que produzem a boneca. No livro "Barbie na educação das meninas: do rosa ao choque", a autora Fernanda Roveri aponta as consequências do trabalho degradante nas fábricas: as mulheres responsáveis pela produção da Barbie, além do baixo salário, apresentam problemas respiratórios, perda de audição, dores intensas, transtornos no sono e até mesmo irregularidades nas menstruações em decorrência da contaminação por chumbo e outros elementos químicos. Infelizmente, esta é uma realidade que atinge as mais diversas áreas de produção, sobretudo a de produtos tecnológicos. Nem a Barbie conseguiu escapar. Não vale a pena fecharmos os olhos e continuarmos insistindo na ideia de que "Barbie é apenas uma boneca".
Darwin já provou que as espécies vivas são capazes de evoluir por milhares de anos via seleção natural. A Mattel, não por acaso, escolheu a palavra "evolução" para designar a mudança de paradigma da Barbie. Nome altamente sugestivo, afinal de contas, veremos como ela vai "evoluir naturalmente" e como dará continuidade na tendência do respeito às diferenças.
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