Minha última publicação sobre os sentidos do amor terminou com uma frase do grande Shakespeare: o curso do verdadeiro amor nunca é suave. Numa linguagem mais informal, "amar dá trabalho", e me parece que as pessoas não estão afim de se empenhar neste tipo de trabalho. Longe de fazer um post com uma visão romântica e ideal sobre os relacionamentos, a sensação é a de que os que estão envolvidos numa relação têm jogado a toalha com muita facilidade, não apenas porque nossa sociedade hoje possui uma dinâmica e um conjunto de valores que fazem com que esta decisão seja tomada rapidamente e sem remorsos, mas também porque estamos presenciando a ascensão de uma geração de adultos emocionalmente infantis e mimados.
Um clichê só é clichê justamente pelo fato de ser óbvio e ainda assim não percebermos: uma relação requer dedicação, tolerância e concessões, independentemente do tipo de relação que se estabeleça. Pense em alguém cujo sonho era o de construir sua casa própria e conseguiu. Quantas dores de cabeça esta pessoa provavelmente teve em alguns momentos? Pode ter ter sido com os pedreiros, com materiais de construção, com a regularização da planta, com os móveis, com a pintura, com os prazos de entrega que fugiram do controle... Este alguém perdeu o sono muitas vezes, mas não era este o seu sonho, o seu projeto? E aqueles que investem uma boa quantia de dinheiro para abrir a "empresa dos sonhos", seja um carrinho de lanche ou uma multinacional? Imagine só por quanta coisa chata essas pessoas tiveram que passar e ainda passam para que tudo funcione normalmente. A enorme burocracia, prestação de contas, problemas com o maquinário, funcionários-problema, clientes com o mais alto nível de exigência... Nem tudo é um mar de rosas, mas não são os percalços para a concretização do projeto destes empreendedores? Nos exemplos que mencionei - e que com certeza você conhece alguém que tenha passado ao menos por uma das situações - as pessoas não têm escolha: ou enfrentam com energia e coragem o "lado ruim" ou a coisa simplesmente não acontece!
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Fonte: A mente é maravilhosa |
Fico me perguntando quem é capaz de apostar todas as fichas, mergulhar de corpo e alma nas águas inexploradas de uma relação, fazer desta um projeto de vida e ter disposição para enfrentar todos os pedregulhos que não são raros de aparecerem. É uma construção diária, em doses homeopáticas, e nem sempre é algo divertido. A diferença é que, ao contrário da casa e do negócio, costuma faltar compreensão e tolerância nos momentos de dificuldades. Para alimentar um relacionamento, às vezes é necessário travar um duelo com o orgulho próprio, perceber, sentir e olhar o outro e suas necessidades.
Que os problemas existem, já sabemos. Que não há relação sem erros, já sabemos. Que às vezes damos mancadas justamente com quem mais amamos, não é novidade. Então por que as pessoas estão desistindo tão facilmente? Por que estão enterrando sonhos e momentos que sequer tiveram a chance de serem vividos? Porque não há entrega. Porque ter disposição para enfrentar todos os desafios e conflitos que uma união acarreta é complicado. Vejo tantas relações que parecem mantos leves para evitar sofrimentos, renúncias e decepções, que são inerentes a todo e qualquer ser humano. Fica uma situação estranha, um afastamento consubstanciado: as pessoas estão juntas e não estão ao mesmo tempo. E qualquer desentendimento já se torna um bom motivo para romper a relação; poucos estão abertos a negociações.
O que não é difícil notar também é como alguns tratam um envolvimento afetivo como um investimento qualquer, como se outro alguém estivesse no mercado de ações internacionais. O sentimento é proporcional ao tipo de investimento realizado. E eis que o homem pensa ter obtido a capacidade de ser um bom acionista! Mas, diferentemente do que ocorre com a economia, não existe verdadeiramente um mercado de relacionamentos em operação e nós sabemos disso.
Ao leitor cabe deixar claro que este não é um discurso para nos afundarmos em qualquer relação. Ninguém deve aceitar dividir sua vida com alguém sem se sentir feliz ao lado desta pessoa. Primeiro porque a vida é uma só, e além de tudo é mais curta do que imaginamos (embora não seja velha, este é um ditado popular que acredito piamente). Segundo porque às vezes é importante fechar ciclos. Quando os planos e sonhos não são compatíveis, quando a música e o ritmo de cada um estão descompassados, quando todas as tentativas possíveis por soluções já não são capazes de resolver todos os impasses, aí sim é hora de jogar a toalha porque não acredito que alguém esteja condenado a insistir tanto em algo que não tem conserto.
A grande questão, porém, é que a maioria dos relacionamentos acaba antes mesmo de todos os esforços serem empenhados, sem diálogos profundos e sem ao menos utilizar todos os recursos viáveis para alinhar as órbitas dos universos particulares de cada um dos seres envolvidos. Gosto da metáfora dos hospitais: antes de ficar em observação na enfermaria ou ir para a UTI, é como se o fim já tivesse sido sentenciado. Ou ainda a metáfora dos brinquedos: quando a criança mimada percebe que o brinquedo está com algum problema, encardido, que a bateria acabou, ela deixa de lado, prefere um novo porque o outro já deu o que tinha que dar. Qualquer semelhança com adultos infantis e mimados que acham muito trabalhoso "discutir a relação" e que consideram arriscado demais o envolvimento total é mera coincidência.
Não estou questionando o valor que atribuímos às convenções sociais. O que não considero válida é essa mania que muitos possuem de dar duro em tantas esferas da vida e quando se trata de tentar solucionar os impasses da convivência com o outro, aí é chato, é perda de tempo. David Bowie tinha muita razão quando cantava Under Pressure:
"O amor é uma palavra tão fora de moda
e desafia você a cuidar das pessoas no limite da noite.
E o amor desafia você a mudar nosso modo
de nos importarmos com nós mesmos."
Não estou questionando o valor que atribuímos às convenções sociais. O que não considero válida é essa mania que muitos possuem de dar duro em tantas esferas da vida e quando se trata de tentar solucionar os impasses da convivência com o outro, aí é chato, é perda de tempo. David Bowie tinha muita razão quando cantava Under Pressure:
"O amor é uma palavra tão fora de moda
e desafia você a cuidar das pessoas no limite da noite.
E o amor desafia você a mudar nosso modo
de nos importarmos com nós mesmos."
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