Rss Feed
  1. Faces fascistas

    sábado, 2 de novembro de 2013

    Nos últimos dias, uma nova onda de fascismo inundou as redes sociais e promoveu discussões calorosas. Citarei apenas dois casos. Primeiro, o motociclista que filmou a tentativa de roubo da sua moto porque tinha uma câmera instalada no capacete e naquele momento um policial que voltava para casa atirou no assaltante. A notícia pode ser (re)vista clicando aqui. Sugiro também a leitura de alguns comentários. O segundo caso é referente ao assassinato do garoto Douglas, de 17 anos, neste último domingo, 27 de outubro, por um policial. O desdobramento pode ser conferido no site do Terra. Mais uma vez, não nos esqueçamos de ler os comentários.
    Junte-se a esses fatos as notícias diárias sobre grupos distintos que vão às ruas e a insurreição dos Black Blocs, numa mescla de vandalismo e o grito de "Chega! Quantos ainda terão que morrer?".
    Como explicar tudo? É possível? São relações e tensões com um alto grau de complexidade e nós, que vivemos no que eu chamo de "efeito matrix", não seremos capazes de compreender os eventos em sua totalidade, inclusive por estarem vinculados diretamente com a nossa realidade. Sim, temos muito a ver com tudo que se passa e diz respeito ao que estamos construindo dia após dia: nossos pensamentos, discursos, ações.
    O que mais tem chamado minha atenção nesses acontecimentos é a presença do ódio se intensificando constantemente. As pessoas estão sentindo ódio o tempo todo. São discursos claramente fascistas que estão ganhando corpo nesta sociedade em que se tem a impressão de que o caos permanente já foi anunciado. Não importa o que aconteça, os "justiceiros" estão prontos para proclamarem a sentença: bandido bom é bandido morto. E o papel da polícia é exatamente este: eliminar as ameaças porque podemos cruzar com elas a qualquer momento. E o papel de cada cidadão, da política, das instituições, todas formadas por "indivíduos de bem"? Será que não temos mesmo nenhuma responsabilidade nessa história? É desta forma que não apenas se cria, mas se legitima o autoritarismo e o poder de poucos e a eles transferimos nossa confiança esperando que façam um bom trabalho. E todos sabem qual é o trabalho que deve ser feito.
    Pois bem. Vejamos a natureza fascista desta mentalidade. A violência da polícia é legítima. A violência pela suposta "legítima defesa" é válida e confere ao indivíduo o direito de se defender como bem quiser ou achar conveniente. Como bandido bom é bandido morto, todo bandido deve, preferencialmente, perder a vida porque, afinal, estamos falando da realização de objetivos e interesses específicos. 
    Lamentavelmente, o assaltante que tentou roubar a moto no primeiro caso não morreu. Veja bem: as pessoas não se conformaram com o fato de o criminoso ter sobrevivido.
    No caso do garoto Douglas, li várias declarações no Facebook de pessoas indignadas por ter ocorrido uma manifestação após a morte do estudante. Os indivíduos se sentiram incomodados porque a rodovia Fernão Dias foi bloqueada pelos manifestantes. Não se sabe se os agentes que incendiaram veículos neste protesto estavam ali, de fato, pela morte de Douglas. É certo que não se tratava de black blocs. O que havia explicitamente era indignação, revolta e, ao mesmo tempo, medo. Era a explosão da periferia alimentada por sofrimento, falta de esperança e sede de vingança. Se, por um lado, as atitudes radicais de violência não são justificadas, por outro, o sentimento de quem estava lá é perfeitamente compreensível. E, no entanto, o que ficou deste protesto que evidenciou as contradições sociais? O sentimento de ódio por manifestação "em nome de bandido". Douglas era mesmo bandido? O jovem entrou na pior estatística. Segundo a Fundação Abrinq, em 2010, mais de 8600 crianças e adolescentes brasileiros foram assassinados. Quantos já se foram este ano?
    Novamente, considera-se a violência da polícia legítima. Uma pergunta: o atentado à vida ao qual o jovem Douglas foi submetido covardemente é válido? E a desculpa é sempre a mesma: o disparo no peito foi acidental. Quais são as reais possibilidades de um tiro acidental atingir exatamente o peito? Quanta hipocrisia. Douglas não perdeu somente a vida. Pois foram-lhe arrancadas todas as possibilidades de ter uma vida melhor, de "ser alguém", de "crescer e aparecer". Assim como provavelmente o jovem não teve grandes oportunidades enquanto estava vivo, ele simplesmente foi destinado a não ter mais nenhuma. E este destino não foi resultado de suas escolhas e condições, mas da onda de fascismo que está assolando cada vez mais os indivíduos. Ele podia ser mais.

  2. 0 comentários:

    Postar um comentário