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  1. Leituras para compreender o impeachment

    segunda-feira, 5 de setembro de 2016

    Os últimos dias registraram um dos momentos históricos e políticos mais importantes do Brasil. O impeachment da presidente Dilma Rousseff, aprovado pelo Senado Federal no dia 31 de agosto, não foi o show de horrores que assistimos na Câmara dos Deputados. Mesmo sabendo, penso eu, que perderia seu mandato, Dilma enfrentou 14 horas de interrogatório. Para alguns, a cara de pau mais desmedida; para outros, o exemplo da verdadeira coragem e do filho que não foge à própria luta, sobretudo por ter sido questionada por representantes escancaradamente criminosos - é importante ressaltar: 49 dos 81 senadores estão sendo investigados.
    A minha intenção desta vez é deixar três reflexões que, naturalmente, são condizentes com o modo como enxergo este momento tão conturbado que o Brasil enfrenta e que trazem um olhar muito rico e profundo sobre o impeachment.

    Primeiro aspecto: Direitista e esquerdista
    Direitista e Esquerdista é um artigo do Frei Betto que sugiro como leitura essencial para entendermos melhor a polarização política que se alastrou nas ruas, nas redes sociais e nas relações interpessoais. Publicado há quatro anos, o texto é super atual e nos mostra que, não importa o lado, estar em qualquer um dos polos não é saudável para o exercício crítico - é um verdadeiro diálogo de surdos. Isso não quer dizer que temos que ficar em cima do muro, mas o quanto a esquerda e a direita podem se encontrar na mesma face de uma moeda.
    "Os dois padecem da síndrome de pânico conspiratório. O direitista, aquinhoado por uma conjuntura que lhe é favorável, envaidece-se com a claque endinheirada que o adula como um dono a seu cão farejador. O esquerdista, cercado de adversários por todos os lados, julga que história resulta da sua vontade. [...] O direitista escreve, de preferência, para atacar aqueles que não reconhecem que ele e a verdade são duas entidades numa só natureza. O esquerdista não se preocupa apenas em combater o sistema, também se desgasta em tentar minar políticos e empresários que, a seu ver, são a encarnação do mal."

    Segundo aspecto: O golpe é bem mais complexo que uma briga entre esquerda e direita
    Enquanto o artigo de Frei Betto fica mais no plano teórico acerca da polarização, este texto, que na verdade foi um comentário de Miguel Gouveia em outra publicação, aborda o esgotamento de um sistema político e econômico carregado de conceitos, dados estatísticos e suas respectivas fontes. Suas ideias são desenvolvidas a partir da constatação de que a riqueza acumulada pelo 1% mais abastado da população mundial agora equivale à riqueza dos 99% restantes. Para Gouveia, "a questão central é a seguinte: como equacionar o poder do 1% com as necessidades dos 99%. Isso não necessariamente desemboca numa discussão ideológica de esquerda vs direita. [...] O fato é: a continuar essa exploração indevida e sem controle, sem espaço para o social sem ser na forma de esmola, o confronto será inevitável. [...] Testemunharemos mais mazelas sociais de que tanto tememos e que também afetará, consequentemente, o 1%." 

    Terceiro aspecto: Desmontar de novo
    Que tipo de ruptura o Brasil enfrenta depois do impeachment de Dilma Rousseff? Esta é a pergunta a qual o sociólogo José de Souza Martins responde em seu mais recente artigo publicado no domingo, dia 04, no jornal O Estado de São Paulo. Após a votação na Câmara dos Deputados, afirmei que "longe de ser o advento de uma nova era, o impeachment representa, acima de tudo, o poder de uma classe política desinteressada pelo povo". José de Souza Martins enveredou pelo mesmo caminho: 
    "O passado que nos governa desde sempre continuará governando o nosso presente e o nosso futuro, não obstante a suposta ruptura representada pelo impedimento e perda do mandato da presidente da República. Nãos nos iludamos. Não foi uma ruptura inovadora porque não foi uma ruptura de superação. [...] Não somos criativos em política nem somos inovadores. Apesar das polarizações ideológicas, acabamos na prudência do repetitivo. Temos que fazer um grande esforço educacional para legarmos às novas gerações a superação dessa limitação. [...] Não só qual ruptura, mas também quem tornará o real legado da ruptura possível e dele extrairá a revelação das possibilidades do Brasil? Essa é a questão que abre o novo capítulo da história política brasileira. Temos mais perguntas que respostas. Qual é o Brasil desse legado? Na perspectiva deste presente tumultuado, qual é o futuro de uma nação que não tem como se desfazer do fardo de uma história social e política que a oprime, que a tolhe? O cenário sugere que esse Brasil é um pão amanhecido. A sociedade está desmobilizada, subjugada por bandeiras corporativas e obsoletas, iludida pela concessão de direitos no papel mas não realizáveis."

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