O brasileiro Marco Archer Cardoso Moreira, de 53 anos, foi
fuzilado na Indonésia na manhã de domingo deste fim de semana (no Brasil, a
execução deu-se por volta das 13h30min do sábado). O carioca foi condenado à
pena de morte por tráfico de drogas. A Indonésia possui uma das leis mais
rígidas de todo o mundo contra o tráfico. O indivíduo que for pego portando
mais de 5g de droga pode ser condenado à morte e a lei tem apoio da maioria da
população. Mesmo tendo ciência das regras, Marco tentou entrar no país em 2003 com
13,4kg de cocaína escondidos nos tubos de uma asa-delta. Embora a mídia
brasileira o tenha apresentado como instrutor de asa-delta, Marco jamais
exerceu este ofício, tendo em vista que sua vida pode ser resumida da seguinte
forma:
- 17 anos vivendo em Ipanema;
- 25 anos traficando drogas pelo mundo;
- 11 anos em presídios da Indonésia.
O caso em questão reacendeu o debate sobre a pena de morte
entre os brasileiros. Nas redes sociais, a Indonésia virou exemplo a ser
seguido: muitos glorificaram em pé a justiça deste país até então esquecido
pela maioria. Fiquei pensando por que as pessoas ficaram tão contentes com a
morte deste homem. Será que foi o sentimento de que a justiça se realizou? Foi
uma espécie de prazer psicológico ao ver alguém sendo eliminado? Foi a (falsa) sensação de que é um a menos para espalhar terror e violência às pessoas de
bem? Ou, como o jornalista Leonardo Sakamoto afirmou em seu blog, foi uma
projeção do nosso sentimento pessoal sobre o tráfico de drogas no Brasil e o
desejo de vingança? Pode ter sido tudo isso e até mais um pouco. Porém, o que
entendemos por “justiça” é uma longa e interminável discussão que perpassa pelo
Direito, pela Sociologia, pela política e por valores individuais que não podem
ser mensurados ou catalogados.
Nadando contra a correnteza da sessão-louvor ao governo
indonésio, soube de um fato intrigante que me fez questionar o suposto senso de
justiça. Umar Patek é um terrorista, considerado extremista islâmico, que
reconheceu e assumiu a autoria de um atentado em Bali, no ano de 2002. Patek
fabricou as próprias bombas que mataram mais de 200 pessoas. Sua condenação: 20 anos de cadeia.
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Umar Patek. Fonte: Time |
Não estou fazendo uma simples comparação. Marco desrespeitou
uma lei importantíssima e, evidentemente, deveria ser punido. É claro que o
tráfico de drogas desenvolve uma complexa estrutura de violência no mundo todo.
Entretanto, está claro também que Marco não atentou contra a vida de ninguém
(ao menos diretamente, já que o tráfico faz milhares de vítimas), ao contrário
de Patek. Daí resulta o quanto precisamos conversar mais profundamente acerca
do que é a justiça e – por que não? – relacioná-la com a pena de morte.
Tenho o costume de dizer que a pena de morte já existe, em
partes, no Brasil. Se pensarmos na nossa violência social, será possível perceber que tanto a polícia quanto grupos de extermínio matam sistematicamente. Matar
sistematicamente significa escolher quem deve morrer e “quem dessa vez passa”. Ou
seja, apesar de não ser institucionalizada, há tempos a pena de morte já está
em vigor. Lembrando que ela também é feita pelas próprias mãos, como quando a
população “sentencia alguém” (tendo ou não cometido algum delito) e adota o
linchamento como modalidade de pena de morte.
Pelo título desta publicação, o leitor pode concluir o óbvio:
sou contra a pena de morte e a favor da pena de vida. Este título é inspirado
em uma música do grupo Pedro Luís & a Parede que tem o mesmo nome, cuja
primeira estrofe define bem a minha linha de pensamento:
“Eu assinei a pena de vida,
Sou a favor da pena de vida.
Se o sujeito cagou, pisou na bola,
Tem que resolver aqui,
Não pode sair fora.”
O meu objetivo principal, porém, não é a reflexão sobre a
pena de morte. Considerei importante me posicionar, mas quando decidi escrever
sobre o caso de Marco Archer, a minha intenção primordial era associar os
orgasmos múltiplos sentidos pelas pessoas diante de sua execução com o que a
filósofa Hannah Arendt chamou de banalidade do mal. Este conceito refere-se ao
mal praticado no cotidiano como uma ação qualquer feita por mim, por você, por
qualquer um.
Arendt afirmava que o mal estava banalizado na sociedade e
que nós todos éramos responsáveis por isto, e não apenas uma classe econômica
ou grupo específicos, por exemplo. Isso quer dizer que simplesmente nos
acostumamos com o mal em todas as suas dimensões (afinal, ele sempre existiu, né?), mas ao mesmo tempo recusamos
que ele esteja ao nosso alcance ou que faça parte de cada um. Nas palavras de
Márcia Tiburi: "A tese da malignidade radical, do mal exercido com fins
perversos, não nos atinge, pois nos entendemos como simples pessoas 'não
malignas'; já a tese do mal banal nos atinge porque somos confrontados com ela
enquanto pessoas que vivem o mundo do cotidiano como lugar banal. Nós que nos
pensamos como 'pessoas de bem' seríamos intocáveis do ponto de vista ético; se
fazemos o mal é porque 'errar é humano'."
Grande parte das pessoas que conheço parece sentir um tipo de prazer diante da tragédia de outrem. Um exemplo simples para
ilustrar: por que o imenso destaque da mídia sobre todas as naturezas do
mal (físico, simbólico e psicológico)? E não me refiro somente aos fatos que
tendem a causar mais impacto por serem “maiores”; a questão é que muita gente
gosta mesmo de ver os outros “se dando mal” (a expressão não casa com comunhão universal
de bens?) sem perceberem que, agindo desta maneira, estão potencializando o mal
e o praticando direta ou indiretamente, dia após dia, e pode ser no trabalho,
nos conflitos familiares, nos ambientes públicos.
A banalidade do mal é o reflexo de uma cultura em que o
pensamento crítico é mais ausente do que presente, onde a anulação, a negação
do outro é sempre uma constante e as supostas “pessoas de bem” são sempre
vítimas, uma vez que seus pré-conceitos já as tornam naturalmente incapazes de
agir com qualquer maldade.
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