Quando era criança, vivia fuçando uma caixa bem grande cheia de livros de receitas que minha mãe tinha. Ficava horas e horas vendo, principalmente, bolos infantis decorados. Algumas vezes pedia para que ela fizesse alguma coisa, e ela me respondia dizendo que era um pouco difícil. Eu contra-argumentava alegando que era só seguir a receita. Ingenuidade de criança.
Passados muitos anos, descobri que muita gente é fã de recitas, além das tradicionais de comes e bebes. Hoje em dia há receita para tudo nessa vida: como se dar bem nos negócios e ser bem sucedido, como influenciar aqueles que estão ao seu redor, como poupar e lucrar, como conquistar a pessoa que você ama ou apimentar seu relacionamento, como atingir o corpo ideal com a melhor dieta do mundo, como vencer desafios, como ser feliz... Há muitas outras receitas à disposição.
Nas livrarias, todas essas receitas estão na sessão de Autoajuda, a mais vendida em todo lugar. O panfleto vagabundo, popularmente conhecido como Veja, publica toda semana as listas com os livros mais vendidos divididos por categorias. Na de "receitas", ou Autoajuda, como o leitor preferir, temos esta semana:
1º lugar: Ansiedade - Augusto Cury
2º lugar: Não se apega, não - Isabela Freitas
3º lugar: De volta ao mosteiro: o monge e o executivo falam de liderança e trabalho em equipe - James Hunter
4º lugar: Sonhos não têm limites - Ignácio Loyola Brandão
5º lugar: Resolva! - Marcos Vinicius Freire
Para confirmar a minha tese sobre as receitas, aqui estão todos os livros da lista (são 20).
Não faltam também livros que trazem os pilares da felicidade.
A minha crítica sobre esses livros é a de que uma obra de autoajuda só ajuda o próprio autor (auto), isto é, aquele que escreve. Na verdade, nem deve ajudar tanto porque senão um mesmo autor não escreveria dezenas de livros sobre o mesmo assunto. Se fosse tão simples como está apontado nos livros, um resolveria tranquilamente o problema de todo mundo.
Aprendi também que, por mais que se siga certinho uma receita de bolo, por exemplo, alguma coisa pode dar errada no meio do caminho. Este é detalhe do qual alguns se esquecem.
Em todas as épocas históricas e em todas as sociedades cogitou-se a possibilidade de descobrir o segredo de uma vida feliz, e o que ficou claro é que, quanto mais se fala em felicidade, mais distante ela parece estar. Ao mesmo tempo, por que existem tantas receitas sobre a felicidade? Não somente porque aos poucos se constata que elas nem sempre dão certo, mas também porque ser feliz se tornou um imperativo, como se não houvesse lugar para os medos, as frustrações e os sofrimentos da vida. Querer ser feliz o tempo todo, além de ser uma chatice, é prova do quanto ainda não conseguimos amadurecer o suficiente para vivermos dispostos em lidar com os fatos e sentimentos inevitáveis.
As receitas da felicidade não podem dar certo para todos porque não partem do pressuposto da enorme gama de significados contidos na expressão "ser feliz" e descarta a realidade de cada pessoa. O que me faz feliz pode não fazer para o outro, é a lei básica das diferenças e pluralidades humanas. É insensato acreditar que exista uma receita da felicidade capaz de atingir a todas as realidades e contextos de vida.
No fundo, existe uma ideia simples, que jamais poderá se tornar uma receita: a da alquimia, o fermento da própria vida. Se a felicidade depende da combinação de inteligência, razão, emoção e sensibilidade, nada mais óbvio e natural que cada um seja alquimista e autor de sua própria receita.
O que os milhares de livros de autoajuda e, especialmente, sobre a felicidade já fizeram, ou seja, o que já está pronto, pode até servir de inspiração. Porém, imitar é apenas o primeiro passo para uma tentativa malsucedida, o fracasso.
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