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  1. A ferro, fogo e mãos

    terça-feira, 6 de maio de 2014

    O Brasil conheceu Fabiane de Jesus da pior forma: foi linchada pela população enfurecida do Guarujá por causa de um equívoco. O país está, infelizmente, entre os que mais lincham no mundo.
    O linchamento não é uma modalidade de crime no Código Penal Brasileiro. Os que mais se aproximam são o homicídio e outras formas de violência física. O linchamento é um tipo de crime difícil de precisar e quantificar, tanto que não configura nos dados estatísticos ou em mapas da violência. Ele está, geralmente, associado à ausência de valores sólidos e estruturados, envolvendo indivíduos mais vulneráveis de contextos econômicos e sociais fragilizados - ou seja, são muitos no Brasil. Porém, vale lembrar que o número de linchamentos ou suas tentativas tem aumentado significativamente entre a classe média.
    Fabiane está entre a minoria: de acordo com o sociólogo José de Souza Martins, que estudou mais de dois mil casos de linchamentos, dificilmente mulheres são vítimas, embora colaborem muito nos linchamentos, ao lado de crianças. Tudo lhe foi tomado cruelmente: a dignidade e a vida.
    As pessoas que tomam a atitude de punir coletivamente alguém o fazem sistematicamente e, ao mesmo tempo, de forma irracional. Elas não estão abertas a negociações e sequer reconhecem a condição de ser humano no outro. Quando a justiça com as próprias mãos é exercida, não é porque os indivíduos são naturalmente ruins: na maior parte dos casos isso ocorre devido à sensação de ausência de Justiça nesses lugares e à falta de confiança e lentidão num Estado falho e omisso que não protege os cidadãos. Sendo assim, é lamentável que os linchamentos sejam vistos como um meio legítimo de justiça a favor da sociedade. Pior: que ele seja defendido com unhas e dentes por muitos.
    Quando alguém comete um crime, o indivíduo deve ser punido devidamente, e nada justifica o comportamento dos linchadores que, ao praticarem o ato, tornam-se criminosos também. No caso de Fabiane, que recebeu falsas acusações, a atitude da população se torna ainda mais injustificável.
    O que ainda é difícil de compreender é que a ideia de justiça com as próprias mãos sem direito a juiz e apelação é uma forma eficiente de desestruturar ainda mais a sociedade. No começo do ano, jornais mostraram um jovem de 15 anos espancado e amarrado nu em um poste no Flamengo, supostamente por "justiceiros". A intensão é sempre a de agredir moral, física e simbolicamente o outro, a ponto de anular sua existência, o que revela uma sociedade em descontrole. A impressão é a de que as pessoas têm o direito de agir com violência gratuita. Ou estamos confundindo nossa liberdade de cidadãos com direito e vontade de vingança?
    Gostaria de finalizar com uma observação: as pessoas que aprovam os linchamentos e outras formas de justiça popular às vezes ficam horrorizadas, por exemplo, com a rigidez das penas nos países árabes, como o apedrejamento, sobretudo de mulheres, que é uma forma de linchamento. Esta é uma contradição que não pode ser resolvida facilmente. 

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