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  1. Um par de botas - Vincent Van Gogh
    Diamond dust shoes - Andy Warhol
    Dois quadros e duas análises a respeito de pares de sapatos. Apesar de soar estranho, estas duas obras podem ajudar bastante na reflexão sobre as tendências do modernismo e do pós-modernismo. A princípio, esteticamente é possível notar várias diferenças, mas pretendo abordar minuciosamente alguns elementos, estando ou não evidentes, que contribuem para o debate. Também é importante esclarecer o motivo que me levou a elaborar esta análise: a obra Pós-Modernismo - a lógica cultural do capitalismo tardio, de Fredric Jameson. 
    O autor procurou discutir acerca do pós-modernismo, cujas diferenças mais nítidas entre o modernismo e o período que o sucede podem ser encontradas na arquitetura. Apesar deste posicionamento, o modo como Jameson constrói sua análise não é pós-moderno, especialmente porque trabalha com categorias específicas de história e totalidade, esta última de Lukács, para o qual não é possível a separação entre as esferas econômica, cultural, política e estética; todas são pensadas dentro de todo um processo estrutural. 
    Um par de botas, de Van Gogh, é uma imagem que permite afirmar que não se trata apenas de um par de sapatos que foi desenhado pelo artista num momento de lazer ou simplesmente por gosto, e está longe de ser isso. Esta obra representa todo um universo pautado na miséria agrícola e na pobreza rural, a esfera humana em que encontramos o trabalho penoso, árduo e opressivo, reduzida à condição mais brutal, desumana, ameaçada, arcaica e marginalizada.
    A explosão de cores é intencional neste trabalho de Van Gogh (aliás, percebemos a vivacidade em todas as suas produções) para entrar em contradição com o mundo sombrio que o artista quer nos apresentar. As tintas simbolizam um gesto utópico de Van Gogh na medida em que transforma o mundo opaco do camponês. É uma obra viva e profunda. Por isso, estou convencida de que considero legítima a ideia de materialidade renovada: parece carregar toda uma história de vida, onde é possível imaginar o contexto a que as botas se referem - trabalho e desgaste, além das outras características supramencionadas.
    Quando nos deparamos com a imagem pós-modernista de Andy Warhol, Diamond dust shoes, creio que o primeiro aspecto a ser observado é a ausência de assinatura do autor na obra. É importante dizer que as produções de Warhol não são pinturas; a técnica utilizada é a serigrafia. Em segundo lugar, as obras de Warhol são sempre modificadas, tanto que é comum encontrar diferentes versões referentes a um mesmo trabalho.
    Embora o uso abundante de cores também esteja presente neste artista, elas não possuem uma finalidade tão específica quanto nas telas de Van Gogh. Na verdade, o destaque se faz necessário porque a publicidade é trabalhada em cima se algo que possa chamar a atenção. Creio ser válido afirmar que no pós-modernismo a arte se confunde com a publicidade.
    Voltando à imagem de Diamond dust shoes, é perceptível que se trata de uma coleção de objetos sem vida (os sapatos) que não possuem um referencial histórico concreto. Na teoria pós-moderna, a falta de profundidade, de dimensão, é uma constante. Além disso, podemos observar que o enfraquecimento da historicidade também reflete as tendências do pós-modernismo, bem como o brilho falso da mercadoria. Basta lembrarmos de outras obras de Warhol, como as latas de sopa Campbell, a garrafa de Coca-Cola e os retratos de celebridades, cuja mais expressiva e conhecida de seus trabalhos é Marilyn Monroe. Estas são as maiores diferenças entre os retratos expostos e, consequentemente, de seus movimentos artísticos nos quais estão situados.
    Gostaria de retornar em Jameson e finalizar com uma relação entre o pós-modernismo e o modo de produção capitalista. Primeiro: não se trata somente de um estilo ou uma ideologia. O pós-modernismo diz respeito a uma nova história real do capitalismo e da cultura contemporânea, cuja questão central está na relação entre mercado e cultura, ou economia capitalista e cultura. Porém, isto não representa a ruptura de um momento do capitalismo, e sim marca uma continuidade em que o capital se aprofunda para áreas que até então , na modernidade, mantinham-se preservadas. O pós-modernismo não acarretou o fim de outras tendências. Ele é uma dominante cultural dentro de um universo onde coexistem outras formas culturais da modernidade. Por isso, o princípio fundamental de Jameson, o eixo de sua reflexão, consiste no reconhecimento de que houve uma mudança de significado e na função social da cultura no pós-modernismo, que seria as produções culturais mercantilizadas. Com a mercantilização da cultura, a imagem incorporaria uma dimensão superficial, e tenderia à ausência de profundidade histórica e crítica. Logo, a imagem representaria o signo da mercadoria no capitalismo contemporâneo.

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