Relendo alguns artigos que estavam muito bem guardados (a ponto de eu me esquecer que os tinha), encontrei um muito interessante e pensei que poderia render uma boa reflexão. O referido artigo, cuja autoria é de Bob Herbert, foi publicado no The New York Times em julho de 2010, mas se estivesse exatamente hoje em alguma coluna de um periódico, não teria perdido o sentido, em nenhum aspecto. O nome do artigo é polêmico: Tweet Less, Kiss More, ou seja, "Tuitar menos, beijar mais". A Folha de São Paulo publicou a tradução no período em questão.
O texto aborda a relação de dependência existente entre os indivíduos e as tecnologias - com o fator agravante de que elas estão nos controlando cada vez - e como estamos lidando com a velocidade do tempo em função desse desenvolvimento tecnológico. O termo que Herbert utiliza é muito adequado: tecnotirania. Inclusive, faço questão de mencionar duas situações que presenciei.
Na primeira situação, estava em um bar e havia um casal sentado na mesa ao lado. O casal simplesmente não estabeleceu um diálogo, não houve uma troca sequer de olhares durante todo o tempo que estive lá porque cada um estava compenetrado e entretido com o seu celular. Apenas em um momento a garota mostrou alguma coisa para o rapaz. Mesmo assim, não se olharam e não conversaram. Comeram a pizza quietos e com os aparelhos bem próximos, quando não mexiam enquanto se alimentavam e bebiam.
A segunda situação foi bem similar. Saí com uma turma de amigos da minha irmã. Embora todos estivessem sentados bem próximos e aparentassem ser boas pessoas, enquanto eu cantava junto com a banda que estava se apresentando no local, os outros estavam com os celulares em mãos. E não conversaram entre si. Saí arrasada, tamanha decepção. Aquela imagem me marcou como uma das grandes contradições dos nossos tempos: um grupo junto, mas completamente separado. Corpos físicos presentes, pensamentos nem um pouco sintonizados, mentes focadas em quem está ou não respondendo a mensagem no WhatsApp neste exato momento.
Por falar em redes sociais, certa vez assisti a uma entrevista muito interessante com o sociólogo polonês Zygmunt Bauman em que ele afirmou o seguinte: "um viciado no Facebook me segredou, não me segredou de fato, mas gabou-se para mim de que havia feito 500 amigos em um dia. Minha resposta foi que eu tenho 86 anos, mas não tenho 500 amigos. Eu não consegui isso. Então, provavelmente, quando ele diz 'amigo' e eu digo 'amigo', não queremos dizer a mesma coisa".
Minha mente reuniu o artigo, os acontecimentos pelos quais passei e a declaração de Bauman. Iniciei um profundo debate comigo mesma, pensando no que leva os jovens da contemporaneidade a enxergar o celular, seus aplicativos e as redes sociais como um cilindro de oxigênio, sem o qual é praticamente impossível respirar e viver. Qualquer observador sabe que não estou exagerando.
Uma possível explicação seria a de que as redes sociais funcionariam como uma espécie de rota de fuga para compensar a solidão. Paira no ar um fato praticamente indiscutível, inclusive entre especialistas: quanto maior a convivência no mundo virtual, mais o nosso universo real se torna vazio e desprovido de sentido. Não é estranho nos depararmos com jovens que se sentem solitários e deprimidos, ainda que aparentemente demonstrem o contrário. O plano A é sempre a rede social ou os aplicativos dos celulares.
Alguém pode pensar que, afinal de contas, "isso é normal, faz parte da vida dos jovens modernos". Nenhum tipo de dependência é normal. Outro argumento que pode ser dito: "ora, não sou dependente, eu até que uso bastante, mas sei me controlar". Problema resolvido? Nem em sonho, literalmente. Alguns estudos estão nos mostrando que aqueles que permanecem por muito tempo nas redes sociais podem desenvolver diversas alterações no corpo e na mente, como insônia, estresse (já repararam o quanto as pessoas perdem tempo em algumas páginas do Facebook, ou sites discutindo com outros que não concordam com o seu posicionamento?), angústia e ansiedade, além de provocar baixa autoestima. Muitos tendem a avaliar a vida de outras pessoas nas redes sociais como uma vida perfeita, digna e feliz, quando na verdade todos compartilham um certo complexo de inferioridade. O importante é aparentar estar feliz o tempo todo e ostentar tudo o que pode fazer do indivíduo alguém "melhor", sobretudo nas fotos. Outra necessidade é a de se manifestar diante de um acontecimento terminando com moralismo ou simplesmente deixando... um beijinho no ombro para o recalque passar longe, o que nos leva a acreditar na necessidade de auto-afirmação das pessoas.
Estes sintomas tornam-se claros quando reconhecemos a falsa sensação de estarmos acompanhados ou rodeados de amigos e seguidores. Todas as "curtidas" não implicam em admiração na vida real, ninguém curte de verdade. Mas as curtidas virtuais provocam sensações reais, eis o grande problema. Um exemplo banal: elogio. As pessoas não elogiam tanto pessoalmente quanto virtualmente. As conversas prolongadas ocorrem muito mais através da interação no ciberespaço do que "olho no olho" e "face a face", algo que estamos perdendo definitivamente. Os indivíduos, especialmente os mais jovens, estão cada vez mais imersos numa lógica aparentemente sem sentido: o fato de passar a maior parte do tempo nas redes sociais estimula a sensação de esvaziamento da vida. A sensação que tenho é a de que não estamos tão distantes da realidade que nos é apresentada em Blade Runner.
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Fonte: Timeglass Journal |
Não quero dizer, após apresentar essas reflexões, que devemos nos desfazer dos celulares, abandonar os jogos, o Twitter, o Facebook e todas as outras formas de entretenimento virtual. De uma forma ou de outra, vivemos num mundo com novos estímulos, símbolos e recursos que podem facilitar nosso cotidiano, ou mesmo nos distrair. Porém, o império tecnotirano não tem nos conduzido a uma vida mais fácil e feliz. No fundo, a ideia é simples: nossa existência não se resume às redes ou à tecnologia para simplesmente nos deixarmos envolver por elas a ponto de nos controlarem. A vida é maior que tudo isso e o universo dialoga com a gente para mostrar que esse algo maior é possível e não pode ser encontrado, em hipótese alguma, no mundo virtual.
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